Desafios do Brasil: financiamento para área da saúde precisa ser ampliado
Especialistas falam sobre prioridades na saúde, como a modernização do Sistema Único de Saúde.
Uma das principais cobranças dos brasileiros para os próximos quatro anos inevitavelmente será sobre a questão da saúde. No começo do ano, uma pesquisa Datafolha contratada pela Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa) revelou que 45% dos brasileiros identificam a saúde como principal problema do país. O próprio ministro da Saúde Arthur Chioro, que assumiu o cargo em fevereiro deste ano, elencou na época de sua posse uma série de desafios fundamentais para o setor, que vão desde investir e consolidar a atenção básica à saúde até a necessidade de qualificar as relações interfederativas e a modernização do Sistema Único de Saúde (SUS), passando pela questão fundamental do financiamento da saúde.
Chioro levantou questões que precisam ser vistas como prioritárias. Para ele, é necessário pensar uma nova agenda para a Saúde Pública. Chioro acredita que, devido aos avanços no combate de doenças infectocontagiosas e transmissíveis, é preciso avaliar quais são os novos problemas de saúde do brasileiro. Para o ministro, dificuldades como a obesidade infantil, o alcoolismo, o tabagismo e a violência no trânsito devem passar a ocupar posições de destaque entre as prioridades que devem ser trabalhadas na saúde brasileira.
De acordo com o presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp), Eder Gatti, o principal desafio para o novo presidente é questão do financiamento da saúde que, de acordo com ele, precisará ser ampliado – e esse aumento se deve em parte às mudanças no perfil da população brasileira. “Passamos por um momento em que a população está envelhecendo e isso acarreta um aumento em doenças mais complexas e caras. Vai ter que aumentar o financiamento. Além disso, o pacto federativo deve ser revisto, o Governo Federal deve trazer para ele uma maior responsabilidade na administração da saúde, talvez criando planos de carreiras para profissionais em municípios pequenos, para sanar as desigualdades”, aponta.
Sobre a modernização do SUS, Chioro afirmou no principio do ano que esse seria o ponto mais importante a ser debatido na questão da saúde. O ministro considera que a reforma do sistema é algo que já deveria estar sendo trabalhado desde a década de 1980 em relação à gestão dos serviços de saúde. Para Chioro, a reforma é algo necessário e decisivo para que a saúde no Brasil avance e é preciso que haja universalidade nos sistemas de gestão públicos.
Apesar dos problemas, o presidente do Simesp faz questão de ressaltar que a saúde no Brasil vem melhorando inegavelmente nos últimos 20 anos. “Os indicadores melhoraram, houve um aumento da expectativa de vida, houve queda na taxa de mortalidade infantil, além de mudanças no perfil epidemiológico. Hoje é menor o número de pessoas que morrem de doenças infecciosas, ao passo que aumentou a incidência de doenças crônicas. Essa melhora na saúde acontece muito em parte por conta a maior oferta de serviços de saúde e melhora do padrão de consumo”, conta.
Apesar das melhoras no campo da saúde desde que ela passou a ser tratada como um direito do cidadão, Gatti diz que ainda existem fortes deficiências na área. “São três grandes problemas que acabam resultando em todos os outros. O primeiro é a falta de financiamento, você tem uma escassez de recursos para tocar os serviços de saúde. O segundo problema é o modelo de gestão onde a saúde é muito fragmentada, administrada pelas três esferas de governo. O terceiro problema é a escassez de recursos humanos que o Brasil sofre”, enumera.
O presidente do Simesp explica que o Brasil atualmente possui dois médicos para cada mil habitantes. Gatti explica que para alguns esse número é considerado suficiente, mas é pequeno quando é feita uma comparação com outros países que trabalham no objetivo de construir uma política universal e pública de saúde. “Para o que o Brasil se propõe, é um número que pode melhorar. E associado a isso você tem a concentração desses profissionais nos grandes centros urbanos, onde encontram melhores estruturas e melhores salários. Essa concentração é fruto de uma deficiência dos sistemas de saúde”, avalia.
Outras necessidades que Eder Gatti aponta são em questões de como se organiza os investimentos na rede de saúde. Para ele, é necessário que haja um fortalecimento nas Redes de Atenção à Saúde (RAS). “Só isso já dá conta de resolver mais de 70% das demandas da população. O governo vai precisar fortalecer ainda mais a função básica, dando um suporte muito grande aos municípios. A saúde é um direito do cidadão, ou seja, a garantia disso por si só já é um desafio para o Estado”, pontua.
O ministro da Saúde Arthur Chioro afirmou ainda que é fundamental que seja compreendida a importância que o programa Saúde da Família possui dentro do sistema de saúde. De acordo com o ministro, uma quantidade relevante de pessoas que estão nas emergências dos hospitais deveriam ser tratadas em seus próprios bairros e receber acompanhamento de forma integral. Para isso, Chioro afirmou que é necessário que haja investimento das três esferas de governo nas 27 mil unidades básicas de saúde, para que o país possa apresentar, já a curto prazo, um quadro descentralizado de atenção básica à saúde de qualidade.
Taxa de longevidade mais alta no país
No Brasil, somos mais de 202 milhões e, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), a expectativa de vida do brasileiro é de 73,9 anos. A marca representa um aumento de 17,9% nos últimos 20 anos. Sobre as mudanças na saúde em relação aos idosos, Chioro diz não ser mais possível postergar esse debate. Para o ministro da Saúde, novos médicos irão precisar de uma formação que englobe o cuidado ao idoso, avaliando que não serão formados tantos geriatras quanto serão demandados, e os médicos precisarão estar preparados para esse novo perfil populacional.
Sobre o envelhecimento da população, o patologista Ricardo Artigiani, diretor da Sociedade Brasileira de Patologia (SBP), aponta para outra face do problema: a possibilidade de uma futura falta de patologistas, os médicos que trabalham em laboratórios, hospitais ou universidades, especializados no diagnóstico. “O Brasil vai ser o sexto país em idosos em dez anos, estamos envelhecendo rápido e com qualidade de vida. O paciente de 70 anos hoje tem uma vida saudável e produtiva. Porém, o envelhecimento está associado ao aparecimento de diversas doenças, principalmente do câncer. Quem vai definir o tratamento do câncer é o patologista e nós temos cada vez um número maior de biópsias e cada vez menor de novos patologistas”, aponta.
Além desse déficit em determinadas áreas da medicina por falta de estímulos em determinadas áreas da medicina, Artigiani aponta para a presença de problemas estruturais que acabam influenciando no campo dos diagnósticos. “No caso do câncer, temos tratamentos que aumentam a sobrevida dos pacientes, mas para que o paciente possa fazer esse tratamento são necessários exames patológicos apurados. Patologia depende de equipamento atualizado e é isso que está faltando. É preciso ter linhas de crédito ou o fornecimento desses equipamentos para hospitais públicos”, acredita o patologista.
Investimentos em tratamento e pesquisas sobre câncer
Para o hematologista Angelo Maiolino, diretor da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), a dificuldade de acesso a medicamentos para tratamentos de câncer, e para outras doenças, é um problema que também precisa ser resolvido. “Para o tratamento do câncer, existe uma gama bastante expressiva de medicamentos desenvolvidos nos últimos anos, mais modernos que quimioterápicos, como os anticorpos monoclonais e os imunomoduladores. Na medida em que esses medicamentos vão sendo introduzidos no cenário internacional, a ideia é que a incorporação no Brasil fosse feita mais rapidamente. O problema é que no Brasil, o processo de registros de medicamentos leva muito tempo”, aponta.
No campo do câncer, inclusive, o oncologista pediátrico Marcelo Rizzatti, gestor médico do Grupo em Defesa da Criança com Câncer (Grendacc), diz que um dos principais avanços contra o câncer infantil nos últimos anos foi a promoção da importância do diagnóstico precoce no meio pediátrico geral. Porém, ele grifa que o câncer em crianças também possui algumas demandas específicas. “As principais urgências na oncologia pediátrica são aquelas nas quais a doença expõe o paciente a risco iminente de morte. Seja no diagnóstico, em tumores de sistema nervoso central ou leucemias com risco de sangramentos, ou ao longo da terapia, em infecções decorrentes da terapia que deixa o paciente mais susceptível”, explica.
Maiolino aponta ainda que muitas vezes existem graves discordâncias entre o que é aprovado dentro do Brasil é o que é aprovado no exterior. O hematologista diz também que o atraso na incorporação e a garantia de acesso de medicamentos são problemas sérios no país. “Existe um medicamento para mieloma que já é aprovado em 80 países e não é aprovado no Brasil, é meio incompreensível. Além disso, existe um segundo problema, que é fazer com que um medicamento consiga atingir toda a população que tem a doença. Isso acaba não acontecendo porque para incorporar no SUS, é preciso passar pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec). Muitas vezes o medicamento é disponibilizado na rede privada e não é pelo SUS. Isso causa um grande prejuízo para o tratamento das doenças”, explica.
O que é necessário, de acordo com Maiolino é que a burocratização do sistema diminua e que seja apresentada uma lógica mais clara tanto de incorporação quanto de acesso a esses medicamentos pelos pacientes. Não só na questão dos medicamentos, mas também da pesquisa. “O processo regulatório, que envolve a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), são muito burocratizados. Basta uma rasura em uma folha, uma incompreensão em uma vírgula nessas pesquisas para todo o processo atrasar dois, três meses. O processo do Conep é necessário, mas também é necessário agilizar. A solução seria trabalhar por meta para aprovar pesquisas e colocar gente suficiente para analisar os processos e, assim, não perder tempo”, afirma.
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