Especialista em gestão de saúde revela as tecnologias que vão revolucionar a medicina

O cirurgião de fígado Ben-Hur Ferraz Neto aponta como será o futuro próximo da medicina, integrado a dispositivos vestíveis e com recursos da inteligência artificial

O cirurgião de fígado Ben-Hur Ferraz Neto foi um dos primeiros médicos a acreditar na alta tecnologia e incorporá-la ao dia a dia profissional. Com MBA em gestão de saúde, ele se interessou pelo assunto há dez anos.

— Nos anos 1980, o desafio de se realizar um transplante de fígado era equivalente ao desafio extraordinário da tecnologia de agora na saúde — relembra.

Os estudos na então nova área começaram em 2016, na Singularity University, no Vale do Silício. Concluiu um MBA em healthtech na FIAP, onde se tornou professor de telemedicina e passou a atuar como conselheiro e investidor de várias inciativas. A seguir, Ferraz Neto aponta o futuro nos seis principais cenários da medicina.

 

Paciente

“O paciente será o protagonista da sua própria saúde. Assumirá a propriedade definitiva de seus dados e, consequentemente, a governança da sua condição de vida, bem-estar, prevenção e cuidados. Com mais acesso, receberá informações constantes para optar pelo melhor estilo de vida e evitar consequências futuras que comprometam a saúde. Poderá utilizar o chamado ‘digital twin’, um avatar digital, para testar os melhores tratamentos ou intervenções para o seu caso antes de ser submetido a eles. Além disso, os fatores determinantes sociais de saúde, como moradia, alimentação, escolaridade, renda e emprego, terão cada vez mais impacto nas decisões corretas que vislumbrarão a melhoria contínua da saúde pública. Viveremos mais e melhor.”

 

Médico

“O médico apresentará uma grande transformação na sua atitude e preparo profissional. Deixará de priorizar sua formação técnica e passará a dar a mesma importância ao seu treinamento em ‘soft skills’, habilidades ligadas ao comportamento, como empatia, inteligência emocional, comunicação, trabalho em equipe, criatividade, liderança, negociação, flexibilidade, ética, entre outros. Isso fará do médico um profissional mais humano e eficiente. A informação e a atualização serão mais acessíveis, necessárias e permanentes. O profissional da saúde terá que lidar com a inovação e com esse novo modelo de negócio. Será necessário apresentar muito mais ‘valor’ em tudo que realiza, destacando a eficiência, efetividade, racionalidade na utilização de recursos com base em desfecho, lançando mão da tecnologia, da escalabilidade e da melhoria de processos para obtenção do melhor resultado para a sociedade.”

 

Prevenção e diagnóstico

“À medida que os dados de cada indivíduo passem a fica sob sua própria custódia e poder de decisão, juntamente com as informações disponíveis e personalizadas sobre prevenção e saúde, teremos uma maior capacidade de evitar doenças e de fazer seus diagnósticos precocemente. A inteligência artificial será uma grande aliada na prevenção e no cuidado relativo a nossa saúde. Utilizaremos os famosos ‘wearables’(vestíveis) e a IOB, ou ‘internet of bodies’ (internet dos corpos), além de monitorarmos nossos sinais vitais, condições clínicas, o que nos avisará dos riscos de um evento médico antes mesmo de ele acontecer. Faremos diagnósticos antecipados, evitando ocorrências muitas vezes fatais. Isso nos fará presença menos frequente em hospitais, e a distância perderá relevância.”

 

Cirurgia

“As cirurgias serão cada vez menos necessárias e minimamente invasivas, auxiliadas por tecnologias como a cirurgia robótica, por exemplo, minimizando riscos e erros. As grandes cirurgias estarão mais focadas em traumas, alguns tipos de tumores malignos e em transplantes de órgãos únicos ou múltiplos, desenvolvidos em laboratório para aquele indivíduo especificamente. O metaverso e a internet de alta velocidade e resolução (5G ou mais) possibilitarão, através da realidade virtual e aumentada, da computação quântica e das impressoras 3D, a realização de procedimentos virtuais ou da participação de um expert em forma de avatar em lugares de menor infraestrutura. O século da tecnologia de dados substituirá claramente o século da cirurgia, porém transformará esses procedimentos em mais seguros e eficientes. Uma nova e excitante era para jovens cirurgiões!”

 

Tratamentos

“Com a possibilidade de promover a interoperabilidade de dados de um indivíduo durante a sua vida e de analisar as informações de populações inteiras, tudo isso associado ao aprofundamento da genética como arma de prevenção e detecção precoce, ‘machine learning’ (aprendizado de máquina), biotecnologia, nanotecnologia e as tecnologias sensoriais, alimentadas por inteligência artificial, ofertaremos diagnósticos de precisão e tratamentos personalizados, mais eficazes e mais baratos. Apenas a lógica da integração entre o indivíduo saudável e ainda não doente, o médico, a medicina preventiva, o diagnóstico precoce e medicina personalizada permitirá atingir a sustentabilidade tão necessária a manutenção dos sistemas de saúde.”

 

Empresas de saúde

“As empresas se transformarão, estarão voltadas ao compartilhamento de informações, mantendo-se o sigilo e a ética, mas deixando de centralizar os dados sob a sua custódia e privando a análise mais ampla da saúde populacional ou mesmo do indivíduo. Oferecerão soluções cada vez mais ‘mobiles’ (móveis), que interessem ao indivíduo. Atuarão cada vez mais digitalmente e à distância. As instituições considerarão cinco objetivos para o aprimoramento dos serviços de saúde, que incluem melhores desfechos clínicos, melhor experiência do usuário, melhor experiência dos profissionais da saúde, menor custo dos cuidados e, por fim, mais equidade no sistema. Dessa forma, as empresas de saúde serão menos hospitalocêntricas, com o paciente no centro verdadeiro das atenções. Essas companhias precisarão buscar esses cinco pilares mencionados, lembrando que para atingir a equidade necessitamos identificar as disparidades, desenhar e implantar intervenções para reduzi-la, investir em ferramentas de medição de equidade e incentivar diariamente a sua conquista.”

 

Fonte: Jornal OGlobo