Longevidade e envelhecimento causarão mais uma crise no Brasil?

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A longevidade da população brasileira e a prevalência de doenças crônicas, especialmente cardiovasculares e degenerativas, deve colocar o sistema de saúde brasileiro em uma situação bastante complicada nos próximos anos.

 

“Para reverter esse cenário será preciso  caminhar, a passos largos, para um novo modelo, pois o que está vigente é caro e pouco resolutivo, muito centrado na cultura da doença e pouco na prevenção”, destacou Fausto dos Santos, da Secretaria de Atenção à Saúde (SAS) do Ministério da Saúde.

 

O secretario da SAS traçou um panorama honesto, e também preocupante, dos desafios e perspectivas da saúde para 2015 durante o debate promovido pelo Comitê da Cadeia Produtiva da Bioindústria (BioBrasil) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

 

Afinado com a visão de Santos, José Carlos Abrahão, diretor da Agência Nacional da Saúde (ANS), instigou: “Qual o modelnós queremos, focado no SUS ou na saúde suplementar, que hoje atende 51 milhões de brasileiros, somente 27% da população, já tivemos 2 mil operadoras, hoje são cerca de 900. O fato é que temos um sistema de saúde com um grau de instabilidade que exige uma discussão franca.”

 

Ruy Balmer, vice-presidente da Fiesp e coordenador do Comitê da Cadeia Produtiva da Bioindústria (BioBrasil) destacou que a entidade está de portas abertas para promover o diálogo que a transição demográfica e epidemiológica exigem. “O BioBrasil reúne a cadeia produtiva da saúde, abrigando os setores público e privado. Independentemente de tendências políticas, precisamos ter um bom planejamento, no médio e longo prazo, para garantir o atendimento às demandas crescentes da sociedade brasileira”, destacou Baumer.

 

 

Mais grisalhos até 2050

 

Apesar de o Brasil ainda estar longe do Japão ou da Alemanha, que têm, respectivamente, 23% e 20,8% da população com idade igual ou superior a 60 anos, aqui a proporção já é de 10,8%, ou 20,5 milhões de idosos segundo o IBGE. O Instituto Data Popular estima que esse contingente movimenta uma cifra anual superior a R$ 400 bilhões em gastos com saúde, medicamentos, roupas, viagens, cultura, bem-estar etc.

 

 

Projeções indicam que, em 2020, serão 30,9 milhões de brasileiros idosos ou 14% da população total, com expectativa de vida de 76,7 anos. Mantida essa dinâmica, a partir de 2030 o segmento “grisalho” ultrapassará o número de jovens entre 15 e 29 anos.

 

Outro levantamento feito pelo Pew Research Center, dos Estados Unidos, com dados da Organização das Nações Unidas (ONU), mostra que, em 2050, o Brasil terá 22,5% da população com 60 anos ou mais. O país estará no grupo das dez nações mais longevos do planeta, época em que a população mundial será de 2 bilhões de idosos.

 

 

Longevidade x ineficiência  

 

Segundo José Carlos de Souza Abrahão, da ANS, as mudanças radicais em nossa pirâmide etária e o aumento de sinistros serão um grande desafio para a sustentação financeira da saúde pública e suplementar nos próximos anos.

 

“Precisamos repensar inteiramente o modelo de saúde hoje vigente, Teremos de destinar mais recursos para engajar a população de todas as faixas etárias em um estilo de vida não sedentário. Também teremos de aumentar a integração entre os sistemas público e privado de saúde para evitar desperdícios e a ineficiência. As doenças que afetam os idosos predominarão sobre as infecto-contagiosas. Seu tratamento é mais complexo, caro e prolongado. O sistema de saúde como um todo demandará muito mais recursos e pessoal capacitado”, avaliou o diretor-geral da ANS

 

O secretário da SAS, Fausto dos Santos, destacou que o SUS e as operadoras de planos de saúde terão de se reestruturar para atender aos pacientes idosos. “Teremos de colocar em prática novos modelos para atender às suas necessidades. Os mais velhos não podem arcar individualmente com os gastos em saúde. Mas da forma como hoje estão estruturados, o sistema público e de saúde complementar também não têm como financiar essa sobrevida e toda a tecnologia e recursos humanos que são necessários”.

 

 

SUS precisa ser “rebobinado”

 

O superintendente corporativo do hospital Sírio-Libanês, Gonzalo Vecina Neto ressaltou um outro aspecto. “Os números comprovam o sucesso do SUS nas campanhas de combate a doenças como malária, hanseníase e tuberculose, mas nossa realidade mudou. Estamos vivendo mais e morrendo de outras doenças.”

 

Vecina Neto enfatizou que o SUS e a saúde suplementar precisarão ser “rebobinados”. “Caso contrário não teremos como tratar do grande número  de idosos com doenças cardiovasculares e degenerativas. Longevidade também exige mudanças na constituição dos alimentos, portanto, uma profunda mudança nessa indústria. Afinal, viver mais implica em consumir menos sódio, carboidratos e gorduras. Sem contar que teremos de ter uma comunicação mais eficiente para demonstrar à população que atividade física e dieta saudável são imprescindíveis em todas as idades”.

 

O secretário da SAS, Fauste de Santos, comentou que novas tecnologia também terão de ser incorporadas aos equipamentos de atendimento, assim como um novo tipo de profissional, com formação adequada para cuidar dos mais idosos. “Esse processo já está em andamento, mas não podemos esquecer que o setor da saúde não é motor e sim um amortecedor da economia. Quando a situação econômica está fragilizada, os recursos da saúde, que deveriam ser um piso, acabam virando teto.”

 

 

Jogo de empurra

 

Outro desafio apontado pelo secretário Fausto Santos está na falta de clareza entre as atribuições dos Estados, Municípios e União. “Por mais que tenha se tentado avançar, ainda não estão bem delimitadas as responsabilidades de cada um na saúde. Na educação não há esse impasse. O problema é que nosso modelo de saúde adota a responsabilidade solidária e difusa, o que tem levado a um jogo de empurra. Essa questão do pacto federativo precisa ser enfrentada.”

 

Segundo Santos, o maior problema é que o modelo brasileiro de saúde é “caro e pouco resolutivo”, o que o atual cenário de transição demográfica evidencia. “Apesar de ter quadruplicado nos últimos anos os recursos federais destinados à saúde, hoje representam 9% do PIB, o financiamento dessa área é instável e sua operação ainda é mal montada, sofrendo de alto nível de descontinuidade e baixo grau de profissionalização. A falta de integração entre os diferentes modelos públicos e privados de gestão da saúde soma-se à visão equivocada do pagamento por procedimento e não por pacote de serviços. No médio prazo vamos ter um quadro bastante complicado se não mudarmos toda essa dinâmica.”

 

O diretor-geral da ANS, José Carlos de Souza Abrahão, afirmou que a transição demográfica já impacta fortemente o SUS e as operadoras de plano de saúde suplementar. “Desde já precisamos trabalhar com os cenários de 2020 e 2050 e aprimorar a relação custo e efetividade do setor para reduzir o ralo que temos na área da saúde. O Brasil tem um dos maiores sistemas financeiros do mundo. Na mesma proporção deve ter um setor de saúde forte.”

 

As principais autoridades do país responsáveis pela gestão da saúde têm discursos contundentes, clareza dos problemas, caminhos para virar o jogo e também um consenso, que o consumidor que envelhece ainda não está amparado por um marco regulatório claro, justo e transparente, que lhe garanta atendimento humano e eficaz na hora em que mais precisa. “Temos de nos comprometer a atingir esse patamar de qualidade”. O que se espera é que essas palavras do diretor-geral da ANS finalmente passem do discurso à prática. Já não é sem tempo.

 

Simone Silva Jardim é jornalista especializada na cobertura de saúde e sustentabilidade