Hospitais veem hotelaria como estratégica

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O conceito surgiu como uma maneira de aumentar a oferta de segurança, conforto e bem-estar do cliente; mas virou fator fundamental para a competitividade no setor. A adoção de hotelaria hospitalar, que vem se desenhando desde o final dos anos 90 no Brasil, traz um novo cenário de hospedagem com a adoção de uma nova arquitetura e infraestrutura de serviços de saúde. Em plena expansão, a modalidade de atendimento complementa a assistência e alia hospitalidade à comodidade combinando os serviços de apoio da hotelaria convencional aos específicos do segmento da saúde. Basicamente, ela nasceu da preocupação de prover um atendimento de excelência ao cliente do hospital e, por meio da profissionalização desses processos, agregou uma nova metodologia de mensuração das atividades e desenvolveu melhores práticas na prestação dos serviços de apoio.
 
Segundo estima o presidente da Sociedade Latino-americana de Hotelaria Hospitalar e consultor da Hospitallidade Consultoria, Marcelo Boeger, o mercado de hotelaria hospitalar brasileiro deve movimentar mais de R$ 4 bilhões por ano. Embora varie de amplitude de um hospital para outro, por enquanto, o conceito ainda tem mais aderência em instituições públicas.
Apesar de tímida em hospitais públicos, a iniciativa já passa a constar na agenda de alguns tanto da esfera municipal, como estadual e federal. Para a coordenadora do Grupo Mineiro de Hotelaria Hospitalar, Mylaidy Spíndola, a maior adesão das instituições privadas acontece por conta de maior volume de investimentos de mercado. As regiões Sul e Sudeste têm o modelo em operação há mais tempo, mas Boeger projeta que atualmente a evolução caminha para os estados da região Nordeste, especialmente nas capitais.
 
“Uma tendência que percebemos é a oferta em conjunto com o plano de saúde, seguradora ou o gestor de marketing do hospital ao estabelecer produtos”, aponta Boeger. No hospital, o conceito responde a um organograma e envolve praticamente todos os setores, desde a entrada do paciente até sua saída. Em primeiro plano é constituído por serviços como lavanderia, rouparia, camareiras, higiene, limpeza e gerenciamento de resíduos sólidos; nutrição e dietética. Em segundo plano, fazem parte paisagismo, jardinagem, segurança pessoal e patrimonial, recepção, serviços de atendimento, manutenção, estacionamento, loja de conveniência, floricultura e áreas de lazer (cybercafé, sala de jogos ou brinquedoteca, por exemplo). Serviços de apoio de escritório também entram no pacote para o cliente que não quer perder contato com seu escritório, como a oferta de fax, copiadoras, internet e motoboy. Outro ponto importante é a integração das ações de manutenção predial a uma visão mais hoteleira, no sentido de não permitir a deterioração das instalações.
 
Pedras do Caminho
 
O setor ainda tem como principais dificuldades a falta de investimentos e de mão de obra, além da forte concorrência com outras áreas do mercado, como por exemplo, crescimento da construção civil, afirma Mylaidy. “Outro fator relevante é a necessidade de maior qualificação de profissionais devido à especificidade da área de saúde, onde precisamos de técnicas e cuidados especiais, por se tratar de ambiente hospitalar”, diz ela. Boeger destaca que os indicadores apontam, segundo dados da Anahp entre 2004 e 2012, um aumento superior a 150% na taxa de absenteísmo anual nos hospitais privados. “Para alguns cargos, temos enfrentado enorme dificuldade na reposição desta mão de obra, principalmente no nível operacional”, pontua.Mas, de acordo com Mylaidy, a maior dificuldade ainda é em relação ao reconhecimento da importância da área dentro do hospital. Para ela, a hotelaria hospitalar é uma preocupação fundamental, mas nem sempre recebe os investimentos necessários. Já Boeger acredita que as prioridades de recursos estão evoluindo neste ambiente. “Os investimentos nesta área ocorrem quando o hospital tem uma pesquisa de mercado atuante, não está estagnado e quando pretende crescer de forma consistente, e não simplesmente aumentando o número de leitos”, justifica.
 
Gerenciamento de Leitos Ao observar a necessidade de melhorar a capacidade instalada e facilitar o acesso dos clientes à instituição, o Hospital Vila da Serra (Belo Horizonte/MG) incorporou um sistema de gerenciamento de leitos, que atualmente acompanha todo o fluxo dos pacientes, desde a sua admissão até a alta. “A implantação ocorreu em aproximadamente seis meses. Utilizamos critérios que nos possibilitou a tomada de decisão como o acompanhamento do giro de leito, intervalo de substituição, além do acompanhamento dos tempos e permanência do paciente nos diversos setores do hospital”, conta a coordenadora administrativa de Gerenciamento de Leitos do hospital, Carla Renata Marques. Para o futuro. Ela planeja também a utilização de uma nova ferramenta para mensuração dos tempos de higienização e processo de alta. Já para a coordenadora de gestão de leitos do Hospital Life Center (Belo Horizonte/MG), Lucineia Quintino, as maiores dificuldades para a implantação do sistema de gerenciamento de leitos foram alinhamento de prazos e comunicação intersetorial. Mas, por outro lado, a adoção trouxe otimização do tempo para internação, aumento do número de cirurgias, diminuição de pacientes crônicos, satisfação do cliente e aumento da rentabilidade.
 
Gastronomia Hospitalar e Humanização Desmistificar aquela antiga ideia de que comida de hospital é toda igual foi o principal desafio da gerente de hospitalidade do Hospital Nossa Senhora das Graças (Sete Lagoas/MG), Josiane Martins, ao implantar projeto de gastronomia criativa que, segundo ela, necessitou mais de criatividade do que dinheiro. São pequenas coisas como decorações de pratos, bandejas térmicas, especiarias para melhoria dos sabores, e principalmente, treinamento das equipes. “A gastronomia é mais um valor agregado. O cliente de saúde hoje procura não só uma boa equipe médica, mas também uma hospedaria diferenciada”.
 
A humanização pode parecer implícita ao ambiente hospitalar, mas nem sempre está. O profissional “humanizado”, segundo os especialistas consultados, é aquele que possui competência e o conhecimento técnico em constante atualização, maturidade emocional, ética pessoal e uma visão cultural holística do sentido da doença em si e de suas implicações sócio afetivas. Segundo a gerente de Hotelaria do Hospital Belo Horizonte, Maysa de Paula Pacheco, além da capacitação dos colaboradores, é interessante também investir na reestruturação dos ambientes como unidades de internação e salas de espera.
 
Segundo ela, personalizar os ambientes, como usar decorações com temas infantis nas áreas de atendimento pediátrico; oferecer serviços de conveniência, como entrega de jornais e revistas, floricultura, manicure e pedicure; proporcionar ambientes agradáveis para pacientes, acompanhantes e colaboradores como jardins de inverno; possibilitar apresentações musicais, exposições de arte e visitas divertidas como palhaços, mascotes de times, papai noel, coelho da páscoa; comemorar aniversário de pacientes e colaboradores são exemplos de boas práticas de humanização na hotelaria hospitalar.
 
O gerente de hotelaria do hospital Vera Cruz (Belo Horizonte/MG), Márcio Henrique, conta que ao adotar o projeto concierge, o hospital esbarrou em dificuldades como falta de preparação dos funcionários e perfil dos clientes, que na maioria eram das classes B e C e não estavam acostumados com o serviço. O Concierge tem como principal objetivo centralizar e agilizar solicitações, dúvidas e necessidades dos pacientes internados. Ao fazer parte do processo de alta do cliente, o concierge passou a abordar o paciente no dia anterior para oferecer todos os serviços necessários para a alta. Dessa maneira, Alves diz que o serviço passou a ser mais valorizado.
 
Criar e implantar um manual de orientações a pacientes e acompanhantes, desenvolver algumas ações de hospitalidade, em que os clientes se sentissem mais acolhidos e atendidos, foram as principais diretrizes para a supervisora de hotelaria hospitalar Hospital Unimed Petrópolis (RJ), Flávia Favero, ao introduzir o conceito na unidade. “Quando nos colocamos no lugar dos outros e ocorre a empatia, quando conseguimos entender para atender, o cliente percebe que essa relação é verdadeira e se sente seguro em nos abordar e solicitar algo, mesmo que não seja referente à hotelaria. Neste momento repassamos a necessidade do cliente ao setor responsável para que ele tenha então um atendimento adequado”.
 
Passo a Passo
 
Optar pela adoção do conceito envolve realizar um planejamento. O primeiro passo é a revisão de todos os fluxos da estrutura física do hospital, dos processos e das interfaces entre todos os serviços existentes. Feito esse diagnóstico, é necessário mapear as ofertas básicas da hotelaria hospitalar para que tenham a sua gestão focada no cliente e na qualidade da assistência prestada. Nessa hora, criatividade e o padrão de qualidade pode se reverter em um diferencial competitivo ao hospital. Para Boeger, as discussões acerca da hotelaria hospitalar interessam aos gestores administrativos, de assistências e todos os stakeholders existentes no mercado. De acordo com ele, para que haja eficiência é muito importante que exista um diálogo da área com recursos humanos, enfermagem e TI.
 
Além desse acompanhamento, é essencial incluir a hotelaria no plano estratégico, criar indicadores, mensurar resultados e descrever processos. Boeger defende também um orçamento próprio para a área e a capacitação dos gestores para a eficiência do departamento. “Os resultados se medem pela satisfação do cliente, dos médicos, redução de gastos operacionais, correta identificação de serviços e de clientes, apoio a assistência nas rotinas do hospital e maior profissionalização das áreas de apoio”. A hotelaria é um instrumento capaz de estabelecer uma nova concepção de relação entre cliente de saúde, hospital e médico.
Para Boeger, independente da estrutura de serviços, a sensibilização da equipe às práticas humanizadas é algo que sempre deve ser entendido como um valor do hospital e sempre terá uma importância enorme ao cliente. “Com a hotelaria implantada percebemos afetar diretamente os indicadores assistenciais por liberar a enfermagem das atividades não assistenciais. Nos hospitais ainda sem a hotelaria, percebemos algo em torno de 30% do tempo da equipe da enfermagem gerenciando serviços de hotelaria, tornando o serviço de enfermagem sem atendimento a seu principal escopo, além de muito mais oneroso que desenvolver o serviço com profissionais especialistas”, frisa ele.
 
*As instituições ouvidas na reportagem participaram do II Simpósio de Hotelaria Hospitalar de Minas Gerais entre os dias 10 e 11 de setembro